Freud se referiu ao princípio geral do sonho como sendo um wish fulfillment – um desejo inconsciente realizado de modo imaginário e que aparece ao sonhador de forma disfarçada.
Estamos hoje vivendo tempos singulares, limitados por um vírus que nos impede de ir e vir e de usufruir tantas coisas que anteriormente nos bastava ter vontade, disponibilidade e dinheiro para concretizar esses desejos. Foi pensando nisso e sentindo a falta disso que me veio o desejo consciente e nada disfarçado de, através desta coluna, revisitar o Chelsea Physic Garden, em Londres.
Situado próximo ao rio Tâmisa, o Chelsea Physic Garden foi estabelecido pela Sociedade dos Apotecários na antiga aldeia de Chelsea em 1673. Originalmente dedicado à pesquisa e cultivo de plantas medicinais, hoje abriga cerca de 5 000 plantas medicinais, comestíveis e históricas, entre outras. É o segundo mais antigo jardim botânico do país, depois de Oxford, e um dos tesouros escondidos da capital. Chelsea não é mais uma aldeia, é um dos bairros mais atraentes de Londres, mas o local desse jardim continua muito especial.
A localização e o microclima do Chelsea Physic Garden permitiu que ao longo de sua história fossem cultivadas plantas raramente presentes em outras regiões do Reino Unido. Entre as mais de 100 espécies de árvores que ali se encontram, destaca-se a maior oliveira da Grã-Bretanha, que em 1976 produziu 3,5 kg de azeitonas, um recorde para Londres.
Seu primeiro benfeitor foi Sir Hans Sloane (1660-1753), um famoso médico, naturalista, colecionador e responsável pela criação do Museu Britânico. Sir Hans tinha sido aprendiz de jardinagem no Chelsea Physic Garden e, seguindo seu interesse desde criança por História Natural, acabou fazendo sua formação em Medicina e Botânica. Em 1687 foi para a Jamaica, então colônia britânica, como médico do novo governador da colônia. Foi quando teve início sua carreira como colecionador, criando uma coleção de 800 espécies de plantas, bem como de animais e curiosidades, e que foi se estendendo ao longo de décadas, passando a incluir também livros, manuscritos, moedas, medalhas e um herbário com 334 volumes de plantas secas de várias partes do mundo. Suas coleções vieram a ser a base do Museu Britânico, fundado em 1753.
Durante seu período na Jamaica, Sir Hans observou mulheres locais misturando cacau com leite para aliviar problemas estomacais e levou consigo a receita ao retornar para a Inglaterra. Vendeu-a para a empresa de chocolates Cadbury, o que fez com que se tornasse muito rico e em 1712 comprasse a mansão do Chelsea Physic Garden, passando a alugá-la para a Sociedade dos Apotecários, que, à época, andava tendo problemas com a gerência há algum tempo. Assim garantiu a sobrevivência do jardim onde ele havia recebido seu treinamento, ao preço de 5 libras ao ano perpetuamente pelo aluguel. Esse valor é pago até hoje aos descendentes de Sir Hans.
O jardim foi aberto ao público em 1983, com seus 16 mil m2 de pura beleza.
Para mim, o Chelsea Physic Garden tem um valor especial extra, pois ali são realizados os cursos de paisagismo da The English Gardening School, onde fiz a minha formação, escola fundada e dirigida por Rosemary Alexander, uma das mais influentes paisagistas britânicas, que também leciona nos cursos. É autora de uma série de livros excelentes sobre paisagismo, e o jardim de sua residência é regularmente aberto ao público. Fomos privilegiados com uma visita guiada pela própria Rosemary durante o curso, com direito a almoço, também preparado por ela. Tempos felizes…
Que lindo!! Vou incluí-lo na proxima visita a Londrea