Recentemente ouvi a palavra “biomimética” pela primeira vez, na palestra do engenheiro agrônomo Sérgio Rocha, co-fundador do Instituto Cidade Jardim, organizada pelo portal Papo de Paisagista. Como ex-dicionarista, a luzinha da paixão pelas palavras logo se acendeu, e lá fui eu vasculhar tudo sobre ela.
O Instituto Cidade Jardim tinha acabado de lançar um produto inovador, o primeiro desse tipo no mundo: a Kaatop, uma telha térmica tipo sanduíche, hidropônica (portanto dispensa a necessidade de substrato) para fazer telhados e paredes verdes sem precisar de laje ou manta de impermeabilização – diferentemente de todos os sistemas hoje usados mundo afora, que requerem instalação sobre uma cobertura previamente impermeabilizada. A Kaatop simula o funcionamento dos tecidos vegetais em uma folha.
O produto é um exemplo da aplicação da Biomimética, ciência que se inspira em elementos da natureza – como formas, funções e sustentabilidade – para desenvolver projetos dos mais variados tipos em áreas que vão da indústria têxtil à inteligência artificial.
O termo biomimetics, “biomimética”, (derivado das palavras gregas bio (vida) e mimesis (imitação), foi cunhado pelo engenheiro biomédico americano Otto Schmitt em 1969 para designar a ciência que estuda e imita os métodos, mecanismos e processos da natureza, em substituição ao termo utilizado até então, bionics, “biônica”, cunhado em 1960 pelo psiquiatra e engenheiro Jack Steele e que designava a aplicação de conhecimentos de Biologia na solução de problemas de engenharia e design.
Na realidade, o uso da natureza como fonte de inspiração para a criação de novas tecnologias é antigo. Leonardo da Vinci (1452–1519) fez inúmeras anotações e esboços de máquinas voadoras baseando-se na anatomia e no voo dos pássaros. Em 1941, o engenheiro George de Mestral inventou o velcro ao sentir dificuldade em remover os carrapichos presos nos pelos do seu cão. Resolveu analisá-los com um microscópio e descobriu que a semente dessa planta tem filamentos entrelaçados com pequenos ganchos na ponta, que se engancham facilmente em qualquer superfície com laços, como pelos de animais e tecidos. E decidiu replicar isso sinteticamente.
Surgiu, porém, um novo conceito de Biomimética em 1997, quando a bióloga norte-americana Janine Benyus lançou seu livro Biomimicry: Innovation Inspired by Nature (Biomimética: Inovação inspirada pela natureza), cunhando o termo biomimicry, traduzido em geral por “biomimética”, em português.
A biomimética de Janice Benyus tem objetivos mais amplos; o foco não é mais no avanço tecnológico apenas, mas na criação de tecnologias sustentáveis, recorrendo aos milhões de organismos e ecossistemas no planeta para aprender suas estratégias de sobrevivência, de preservação dos recursos e do meio ambiente e, dessa forma, reverter os estragos feitos pelo homem nos cerca de 200 mil anos que habita a Terra… Para isso, ela fundou em 2006 o Biomimicry Institute (Instituto de Biomimética) – https://biomimicry.org – com o propósito de tornar a Biomimética uma parte natural do processo de design e desenvolvimento de tecnologias, compartilhando as lições da natureza com aqueles que constroem o nosso mundo. E em 2008 lançou o site www.asknature.org, que contém um catálogo de soluções da natureza para desafios tecnológicos diversos. (Vale a pena ouvir sua palestra do TED em https://www.ted.com/talks/janine_benyus_shares_nature_s_designs)
Entre algumas das criações que utilizaram a Biomimética estão robôs cujos movimentos são inspirados na propulsão de protozoários; padrões de sinalização para mobilidade urbana entre veículos e pedestres baseados no comportamento de formigas (que diminuem índices de acidentes); o aperfeiçoamento da transmissão de informações pela internet baseado no comportamento de abelhas, que apresentam algoritmos capazes de melhorar a transmissão; uma garrafa de água que absorve e armazena a umidade do ar e a transforma em água potável, imitando o processo de captura e armazenamento de água do besouro da Namíbia, que habita o deserto da Namíbia e se utiliza desse mecanismo para sobreviver.
Os japoneses solucionaram o problema de poluição sonora do trem-bala inspirando-se na aerodinâmica do pássaro martim-pescador. Remodelaram a parte frontal do veículo para um formato similar ao bico do martim-pescador, e os trens não só passaram a viajar de maneira mais silenciosa, mas também se tornaram 10% mais rápidos e 15% mais econômicos.
Na vanguarda de projetos arquitetônicos sustentáveis inspirados na natureza está o belga Vincent Callebaut (www.vincent.callebaut.org). Um de seus projetos, a Tao Zhu Yin Yuan Tower, ou Agora Garden, um prédio residencial em Taipei, capital de Taiwan, irá ajudar a reduzir a poluição do ar. A fachada, cobertura e varandas do prédio terão aproximadamente 23 mil árvores e arbustos. A estimativa é de que a construção venha a absorver 130 toneladas de dióxido de carbono por ano.
Para esse projeto, o arquiteto se inspirou na dupla hélice do DNA:
Como afirma o professor Mehmet Sarikaya: “Estamos no limiar de uma revolução de materiais equivalente à que houve na Idade do Ferro e na Revolução Industrial, e a biomimética será o mais importante agente que modificará profundamente a forma de como nos relacionamos com a natureza e com nós mesmos.”
Leonardo da Vinci ja dizia: “Aqueles que são inspirados por outro modelo que não a natureza, a mestre acima de todos os mestres, estão trabalhando em vão.”
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